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O Mestre e seu menino

“A vida é uma comédia para os ricos, um jogo para os tolos, um sonho para os sábios, uma tragédia para os pobres”.

Sholem Aleichem

A apreensão que dominava o espírito cansado do velho hazzan Izraf Davidi era demais para sua já avançada idade. Esta mesma apreensão que o guiava pelas ruas já imersas no brilho sanguíneo do alvorecer, nas primeiras horas do dia, rumo à sinagoga na qual oficiava os hinos de louvor. Precisava de iluminação, consolo, e – mais do que qualquer coisa – uma resposta. Algo que abrandasse a asfixia e descompasso de seu próprio coração naquele momento único e decisivo de sua vida. E a única companhia que desfrutava naquela sua imprevista caminhada matinal eram as sombras esquálidas e anônimas das ruas que, preguiçosamente, despertavam para mais um dia.

A iminência do décimo terceiro aniversário de seu único filho, o jovem Sariel, fruto de sua velhice e de seu amor, trazia consigo uma triste realidade: Izraf não teria condições de oferecer ao menino nada além de sua própria formação, a saber, o maestro litúrgico da sinagoga. Mas não era isso o que pai e filho desejavam para si, a vida sofrida e difícil como a que ele próprio, o maestro Izraf, levava como sua cruz pessoal, especialmente naqueles anos após os augúrios da Grande Guerra. Eram tempos negros e sem esperança não iriam ceifar o futuro brilhante que aquela criança, certamente, iria trilhar. Não, o jovem e inocente Sariel, adorado filho de sua velhice, deveria ter um futuro mais digno, mais à altura de seu próprio sangue, que ultrapassasse aquele horizonte esquálido e carmim que o saudava na distância, naquela fira manhã de outono.

O que seria impossível – daí a apreensão sufocante sobre o velho coração de Izraf – sem um mestre apropriado para tutelar o jovem. Sariel iria, por força, seguir a carreira de seu pai, e do pai de seu pai – como reza a tradição de seus antepassados – a não ser que fosse eleito um mestre tutor para o menino. Ainda que precisasse entregar a vida de sua criança nas mãos de outro homem, Izraf consolava-se no fato de que, sob mãos mais capazes, Izraf escaparia daquela vida simplista e fútil que ambos levavam desde há muito tempo. E foi justamente por isso, para sanar esta nódoa no futuro de seu próprio sangue, que o venerando Izraf seguia a passos rápidos rumo ao templo da sinagoga, para meditar e orar ao Deus de seus antepassados que enviasse alguém para lhe socorrer. Entretanto, nas primeiras horas da manhã, Adonai só responde a seus servos com a tênue iluminação do alvorecer e com os silêncios da aurora.

A orar e suplicar pôs-se Izraf, e foi isso o que fez: suplicou e orou. Na manhã fria e com arroubos de carmim, na frialdade pétrea do mármore sacramentado, no silêncio cacofônico que amortalhava o templo da sinagoga, Izraf Davidi orou e suplicou ao Santo de Israel para que poupasse a vida de seu filho daquela existência patética e sem esperança, que o jovem pudesse estender suas próprias asas em toda a sua envergadura e ganhar as distâncias do firmamento. Suplicava por livramento ao seu filho, e por uma alma sábia e capaz que garantisse tal petição ao pobre e velho Izraf. Deixou-se ali estar, e não sairia da sinagoga até que uma solução lhe fosse apresentada.

Muito orou e muito clamou o prostrado ancião, por horas e horas a fio na manhã que despertava. Fiéis vieram e se foram, enquanto Izraf permanecia em sua inconsolável súplica. Foi então que o sacerdote que ali presidia, o ancião de dias Hamal Nemmayah, respeitado por todo o conselho dos sacerdotes, olhou para a sombra que turbava a face de Izraf, e se apiedou daquele ancião sábio e fiel. Com amor em sua voz e genuína preocupação, cobrou de seu amigo a causa de tão contrita expressão em seu rosto, e indagou-lhe a causa de tamanha perturbação naquela alma querida pela Rocha de Israel.

– Meu filho está por completar o décimo terceiro ano – explicou, lamurioso – e preciso encontrar-lhe um mestre que o instrua e ampare, pois não tenho como lhe dar todas as bênçãos que merece.

O velho Nemmayah, cofiando os fios de sua alva e veneranda barba, em toda a sua sabedoria e experiência já havia compreendido os intentos por detrás do coração de Izraf. Entretanto, por se tratar de um seu grande amigo, o velho maestro Davidi, e por lhe querer com bondade e afeto, lhe disse, consolador:

– Não se exaspere, homem justo, pois o clamor de seu coração encontrou compaixão em minha alma. Traga seu filho aqui, pois eu o examinarei e testarei dentro de minha própria sabedoria. Se julgá-lo instruído nos caminhos do Santo de Israel e sábio segundo a Lei dos Profetas, eu serei o seu mestre, e ele será meu aprendiz. Comigo, ele alcançará alegria nos dias de sua velhice e instrução para suas veredas.

E, contudo, o velho maestro replicou:

– Perdoe este pobre pai zeloso, meu prezado sacerdote, mas eu recuso a sua oferta. Pois eu bem sei que o Escudo de Abraão protege o rico e expõe o pobre às ameaças desta vida, e não é isto o que desejo ao filho de meu amor. Não posso aceitá-lo como mestre de meu filho.

Assim disse Izraf, pois ainda não compreendia bem, mesmo sendo muitos os seus dias nesta terra, a suprema sabedoria e justiça do Deus Criador ao eleger ricos e pobres. Entristecido e conformado, o velho sacerdote deixou-o com suas súplicas e preocupações na ampla e silenciosa sinagoga, voltando aos seus próprios afazeres. Que os céus se apiedassem daquele pobre homem!

Muito orou e muito clamou o prostrado ancião, por horas e horas a fio na manhã que caminhava a passos dobres. Fiéis vieram e se foram, enquanto Izraf permanecia em sua inconsolável súplica. Foi então que lhe chegou próximo o venturoso Beryz Larash, famoso comerciante e homem de negócios, próspero e venturoso em seus próprios caminhos. Com verdadeira curiosidade e surpresa em sua voz foi que indagou ao velho Izraf a razão de tantas e tão desesperadas preces.

– Meu filho está por completar o décimo terceiro ano – explicou, exasperado – e preciso encontrar-lhe um mestre que o instrua e ampare, pois não tenho como lhe dar todas as bênçãos que merece.

O astuto Larash, entre um amplo sorriso de seus dentes perolados e o cofiar de sua barba gris, em toda a sua malícia e conhecimento já havia compreendido os intentos por detrás do coração de Izraf. Desta forma, por se tratar do velho e inconsolável maestro Davidi, e por ver ali excelente oportunidade para negócios, buscou acalmar o seu apreensivo interlocutor com as seguintes palavras:

– Ora, por toda a água do Grande Eufrates, meu amigo, não se preocupe mais! Aqui tem a solução de seu problema, pois eu posso garantir ao seu filho ouro em demasia e todas as alegrias desta terra! Ele se tornará um jovem próspero e pleno aos olhos deste mundo! Confie seu jovem filho à minha guarda, e ele se tornará um homem rico e bem sucedido, bem como satisfeito de todas as vontades de seu coração.

E, contudo, o velho maestro replicou:

– Perdoe este pobre pai zeloso, meu prezado comerciante, mas eu recuso a sua oferta. Pois eu bem sei que o ouro que reluz sob a Estrela da Manhã, e os prazeres que florescem neste mundo, enganam ao coração e dispersam os pés do caminho, e não é isto o que desejo ao filho de meu amor. Não posso aceitá-lo como mestre de meu filho.

Assim disse Izraf, pois não acreditava que um coração orgulhoso e um espírito fraco fossem uma promessa de felicidade e plenitude para seu amado filho. Indignado e ferido em seu orgulho, o astuto comerciante retirou-se dali para fora da sinagoga, pois perdera já em demasia o seu precioso tempo com aquele pobre velho ignorante.

Muito orou e muito clamou o prostrado ancião, por horas e horas a fio na manhã que soçobrava seus últimos suspiros. Fiéis vieram e se foram, enquanto Izraf permanecia em sua inconsolável súplica. Foi então que o mestre Ezekiah Abhadun, curandeiro errante respeitado e temido por todos da região, versado em artes e saberes há muito esquecidos, atravessou a passos largos as portas da sinagoga. O venerando guardião das chaves dos mistérios possuía o corpo fraco e deveras castigado pelo tempo, mas achegou-se a Izraf, não antes de proferir suas próprias preces e entoar seus louvores, e lhe cobrou a razão do abatimento sobre seu espírito e a tristeza sobre seu semblante.

– Meu filho está por completar o décimo terceiro ano – explicou, exasperado – e preciso encontrar-lhe um mestre que o instrua e ampare, pois não tenho como lhe dar todas as bênçãos que merece.

– Nenhum pai neste mundo ou no outro é capaz de dar ao filho todas as bênçãos que merece, pois cego e orgulhoso é o amor filial. Entretanto, caro maestro, lhe farei a seguinte oferta: aceite-me como tutor de seu filho, e ele conhecerá a fortuna e a glória, consortes que qualquer homem de valor deseja desposar nesta vida. Pois aquele que conhece os artifícios para servir à morte, como eu bem os conheço, não terá necessidade alguma nesta vida ou na outra. Tudo o que peço é a obediência irrestrita de tua criança aos meus comandos e instruções.

Respondeu então o venerando Izraf:

– Muito agradeço a sua oferta, sábio peregrino, e aceito-a de muito boa vontade. Pois a morte, a quem serves, não escolhe rico ou pobre, e não faz distinção entre homem e mulher, e a tudo iguala em sua vindima. Se esta oferta de sua parte puder ser cumprida, é isto o que desejo para meu querido e bem-amado filho. Daqui a duas luas a criança será sagrada na Lei de nossos antepassados, nesta mesma sinagoga, na hora terceira do dia. Venha sem atraso, e o destino de meu filho lhe será confiado.

O andarilho sorriu um sorriso humilde, mas verdadeiro, e agradeceu as doces palavras de Izraf para consigo. Levantou-se então de seu lugar, e partiu da sinagoga, levando consigo um hálito morno e incomum para àquela hora do dia. Ao passo que o velho e consolado Izraf desfez-se em agradecimentos e louvores para com o seu Senhor e Rei, pelo livramento que recebera e pela benção que lhe havia sido confiada. E partiu dali, já totalmente satisfeito e revigorado, para efetuar seu próprio trabalho. A vida, como é natural de ser, precisava seguir adiante.

No tempo combinado, Izraf entregou Àquele Acima de Todo o Nome, bem como ao andarilho Ezekiah Abhadun, o destino de seu tão estimado filho Sariel. Enfim a criança estava entregue, e muito feliz se encontrava o coração de Izraf, pois por intermédio dos céus pôde livrar o seu filho da triste sina que era a sua própria vida. Tudo correu como haveria de ser, e a cerimônia foi encerrada com grande celebração.

O jovem Sariel, com muito pesar e tristeza, despediu-se da casa de seu pai e prometeu-lhe honrar o nome em sua jornada. Um momento triste e de pesar para todos os presentes, mas misterioso andarilho estava impassível, apenas aguardando o momento da partida. No seu devido tempo, o mestre e seu menino seguiram jornada, e Sariel passou a acompanhá-lo por toda a sua longa peregrinação, durante a qual aprendeu o mistério das ervas, dos rituais de purificação, da leitura dos astros e da comunicação com os espíritos ancestrais.

Por muitos anos caminharam lado a lado o mestre e seu menino, nas veredas do mundo e do saber. Sariel era um jovem dedicado e inteligente, sábio e humilde a sua própria maneira. Abhadun ia lenta e certamente ensinando-lhe os mistérios já há muito esquecidos daquela terra, e o menino sorvia aquele saber como um doce mel que lhe caía aos lábios. E assim crescia o menino, então um jovem belo e vigoroso, em estatura e graça diante de Abhadun e dos homens.

E, contudo, em um determinado dia, próximos de um antigo templo abandonado, o velho Abhadun chamou Sariel para juntos ali pernoitarem, PIS a noite se aproximava e não havia nenhum outro local nas redondezas para poderem se abrigar do frio e da escuridão. No interior daquele templo, Sariel foi surpreendido por várias velas acesas, todas de diferentes tamanhos e cores, algumas mais altas e outras mais baixas, algumas mais escuras e outras mais claras – todas iluminando a densa penumbra dentro da misteriosa construção. O jovem perguntava a seu coração quem teria colocado todas aquelas velas ali, e quem o responsável por mantê-las todas acesas, uma miríade de pequenos luzeiros na nave sepulcral do templo.

Mas suas divagações foram interrompidas por seu mestre:

– Sariel, filho de minha sabedoria– começou o curandeiro, solene – agora você receberá o presente de seu mestre, que tenho reservado especialmente para esta data e lugar. O frasco que confio em suas mãos contém um poderoso remédio, que lhe tornará um médico de grande fama e renome por todas estas terras. Uma restrição, porém, eu lhe faço: a cada paciente que visitar, deverá jogar estas duas pedras. Se for escolhida a pedra branca, seu paciente receberá uma gota deste remédio, e será curado. Caso seja eleita a pedra negra, você desistirá do paciente, pois nada neste mundo poderá salvá-lo. Este é o preço final que lhe cobro por meus ensinamentos e pelo remédio milagroso que lhe entrego, e somente isto. Não ouse, porém, ir contra a vontade de seu mestre, pois eu hei de saber caso seja desobedecido nisto que lhe falo.

– Mas, mestre – indagou o jovem, confuso – Que farei eu daqui em diante? Como poderei curar as pessoas somente com este frasco e estas duas pedras?

O andarilho, entretanto, apenas sacudiu a cabeça e murmurou, sorrindo:

– Tudo o que eu já poderia ensinar-lhe, meu filho, você já aprendeu com maestria e destreza. Agora deve seguir sua própria jornada, com seus próprios pés. Lembre-se do que lhe ensinei ao longo de nossa caminhada, e da única ressalva para suas obras, que lhe fiz há pouco. E que o Senhor de seus pais olhe por você em sua jornada, meu rapaz, e os anjos das sendas celestiais iluminem seus passos.

Muito confuso e amedrontado, Sariel deixou seu velho mestre, o temível curandeiro errante Ezekiah Abhadun, a um canto daquele velho templo, a entoar um cântico desconhecido. E partiu, rumo a seu próprio destino. Ao amanhecer, já não via mais sinal de qualquer humano que tivesse passado por ali além de si próprio, e com isto Sariel enxugou as lágrimas e seguiu adiante.

Triste, de fato, e amargas são as despedidas. Mas o prosseguir é preciso.

E com o passar do tempo, o jovem Sariel se tornou um homem conhecido nas redondezas como poderoso em curas. “Em poucos instantes ele é capaz de dizer a condição de seu paciente, seja qual for, em caso de morte ou da falta dela” – assim diziam de Sariel, e de muito longe as pessoas vinham procurá-lo, e buscavam-no quando possuíam algum ente querido que precisasse de cura, e pagavam-no tão bem por seus serviços que não custou tornar-se um homem de posses e fama sem iguais naquela região. Deitou ali a sua casa, com o dinheiro de seu trabalho, e lá operava maravilhas entre os homens que o procuravam, quando de sua doença.

Certa feita, um poderoso senhor daquela região, próspero e muito rico, caiu por um terrível mal, uma doença que nenhum médico ou curandeiro saberia curar, ou teria poderes para tanto. Chamaram então a Sariel, e ele respondeu o chamado, e foi consultado sobre o sério estado daquele poderoso ancião, homem respeitado e querido entre os seus. Sariel pôs-se a traçar o diagnóstico de seu tão incomum paciente, mas ao consultar as duas pedras, foi presenteado com a pedra negra, e deveria deixar morrer ali aquele homem, segundo as instruções de seu mestre. Seu coração, entretanto, estava atento à fama e a fortuna daquele senhor, e das muitas honrarias que possuía.

“Se me fosse permitido contrariar a vontade de meu mestre, somente uma única vez”, pensou o jovem, apreensivo, “ele certamente ficará contrariado diante de tão insensata decisão”. A dúvida turbava o espírito do jovem Sariel: por um lado, a obediência e respeito devidos ao seu mestre, que propôs uma única condição diante de todas a honra e glória conquistadas pelo jovem curandeiro nos últimos anos; e, contudo, a possibilidade de recuperar a saúde àquele senhor já nos umbrais da outra vida iria render-lhe infinitamente mais do que sonhara até então conquistar. Foi então que o jovem lembrou-se do seu pai, e dos sacrifícios cometidos para que ele próprio, seu filho, não padecesse do mesmo destino.

Foi então que Sariel decidiu-se, acalmando seus temores com o seguinte pensamento: “Sendo eu o querido aprendiz de meu amado mestre, somos como pai e filho, e ele certamente me perdoará esta falta”. Convencido por esta rápida solução de suas capacidades lógicas, Sariel lançou então as pedras uma vez mais. Contudo, antes que qualquer uma lhe fosse legada por sua própria sina, elegeu a pequena pedra branca para si, e a restauração física para aquele velho homem enfermo.

Então, cedendo aos desejos de seu próprio espírito, Sariel desobedeceu à única restrição imposta pelo seu mestre, o temível curandeiro errante Ezekiah Abhadun. Subtraiu uma gota do milagroso remédio e entregou-a aos lábios de seu paciente, que agonizava sob profunda dor. E em pouco tempo, o rico senhor estava mais saudável do que nunca estivera durante toda a sua vida, melhor de corpo e espírito, recuperado de sua saúde e vigor. Pagou então a Sariel altas honrarias e grandes tesouros, como justa e merecida recompensa àquele que salvara sua vida da morte certa.

O destino, entretanto, não seria tão benigno para com a desobediência perpetrada por Sariel. Logo deixasse a casa daquele rico ancião, o venturoso rapaz foi surpreendido pelo seu velho mestre, que se encontrava sobremodo irado, e um semblante pesado e tempestuoso adornava sua fronte já enrugada e enegrecida pelo tempo. Mesmo já há tantos anos separado de seu querido aprendiz, foi com profunda ira e desgosto que o recebeu à rua, brandindo as suas calejadas mãos aos céus, enquanto gritava ao seu desobediente discípulo palavras de reprovação e justa acusação:

– Você me desonra, criança tola, com sua desobediência! Não fui eu claro em minha ordem? Não havia lhe instruído com exatidão os passos a tomar? Desta vez, contudo, eu perdoarei sua falta, pois tenho grande amor por ti e pelos seus. Ouça, entretanto, minhas palavras: se ousar responder-me com a desobediência uma segunda vez, sua própria vida lhe será tomada, pois me servirá de paga por sua insolência!

Muito assustado, Sariel agradeceu de joelhos o perdão de seu mestre, e prometeu pelo sangue de seus antepassados que não faria tal coisa novamente. Seu mestre, ainda sobremodo irado com tamanha audácia, deu valor aos votos de seu aprendiz, pois ainda lhe dispensava profundo afeto. Em parte satisfeito, temível curandeiro errante Ezekiah Abhadun então se retirou, e retomou sua própria caminhada, deixando atrás de si o assustado e envergonhado aprendiz.

Sariel, entretanto, não havia verdadeiramente se arrependido de suas faltas. Acontece que, pouco tempo depois, a filha daquele rico ancião foi tomada de uma febre sobremaneira fatal, e sua vida estava em risco terrível. Ela era a única filha daquele homem virtuoso, e ele chorava sua saúde frágil noite e dia, pois temia perdê-la para sempre. Lembrou-se então do milagre que ele próprio vivenciara, e chamou ao jovem Sariel, para que, da mesma forma que o havia regenerado com seu remédio milagroso, assim o fizesse à sua amada filha. Pois ela era a menina de seus olhos, e nada em lugar nenhum seria equivalente ao amor que por ela nutria. Como pagamento devido aos serviços do jovem curandeiro, além dos tesouros e honrarias, prometeu-lhe a mão de sua adorada criança em casamento, se fosse resgatada do fim mais do que certo.

E quando Sariel lançou as pedras, foi-lhe confiada a pedra negra, e desta forma o destino daquela jovem estava determinado. Sariel lembrou-se então da ameaça de seu mestre e da promessa que fizera de não desobedecê-lo novamente, e de como deveria prosseguir de agora em diante para com seus pacientes. Não poderia mais permitir que seu próprio desejo interviesse na sina daqueles cujas vidas lhe eram entregues.

E, contudo, ele também estava profundamente enfeitiçado pela grande beleza daquela jovem, e a alegria de tomá-la por esposa invadiu-lhe o coração de tal modo, que se esqueceu de tudo o mais. Nada mais importava para si, contanto tivesse aquela beleza celestial como sua, e suas também a riqueza, e glória, e honrarias prometidas pelo velho ancião de virtudes. Ele então lançou as pedras novamente, e elegeu para si a pedrinha branca, que lhe garantiria um tesouro ímpar e muitas alegrias nos dias futuros, bem como a salvação daquela linda dama, prostrada por terrível mal. E deu-lhe uma gota daquele medicamento milagroso, e ela ficou saudável num instante, e a febre já não mais estava nela, apenas o rubor pulsante de vida.

Sariel acertou com o velho senhor a data do casamento, bem como o pagamento por mais uma cura milagrosa naquela casa. E ao sair daquela casa, foi informado de que requeriam sua presença num velho templo abandonado nas redondezas do lugar. Surpreso e curioso com tal chamado, disposto a atender qualquer um que necessitasse de seus talentos, Sariel, dispôs-se a partir, e seguiu as instruções dadas pelo mensageiro.

Por sendas misteriosas e sombrias Sariel caminhou, sob os últimos raios do sol, que aos poucos se despedia de mais um dia. E, qual não foi sua surpresa, ao encontrar-se no ponto indicado pelo súbito mensageiro, Sariel descobriu tratar-se do mesmo templo abandonado no qual havia recebido de seu mestre a dispensa de sua tutela e o milagroso medicamento. Lá, dentro da nave fria da construção desde há muito abandonada, em meio a todas aquelas velas de tamanhos e cores várias, estava o velho andarilho curandeiro Ezekiah Abhadun, que caminhou em sua direção a passos largos e pesados, e gritou, num assomo de fúria, enquanto o arrastava para o interior do templo, segurando firme as vestes de Sariel, com suas mãos sufocando-o terrivelmente:

– Você lançou sua própria sorte, e agora está tudo acabado! Vê estas velas? Elas são as vidas dos homens, e este templo é o meu santuário! As velas mais compridas pertencem às crianças, as medianas pertencem aos moços e jovens, e as mais curtas pertencem aos anciãos e anciãs desta terra. A todo instante muitas podem extinguir-se, e outras recobrar a sua chama. As velas se vão e vêm de meus domínios. É meu o fardo de garantir que este equilíbrio não seja perturbado, e você por duas vezes assim o fez!

Sariel, por sua vez, estava por demais maravilhado com aquilo tudo, e pouca atenção dava às palavras de seu irado mestre. Indagou-lhe apenas, os olhos reluzentes como as chamas das velas, a fim de satisfazer a grande curiosidade que lhe oprimia:

– Mestre, qual destas é a vela que representa minha vida?

E Abhadun, ainda profundamente irritado com o jovem, apontou-lhe uma vela escondida a um canto do templo. Sariel cria se tratar de uma vela alta e viçosa, sua chama de uma intensidade sem igual entre as demais. Qual não foi sua surpresa ao descobrir um toco deveras pequeno e trêmulo, quase a extinguir-se. Profundamente amargurado com aquela descoberta, suplicou com uma voz entrecortada de soluços:

– Ah, meu mestre, pai de minha sabedoria, acenda-me uma nova vela, para que eu possa gozar de meu casamento e minhas honrarias! Permita-me a fortuna e a glória que me foram destinadas, quando me tomaste por discípulo! Eu lhe imploro!

– Tal eu não posso – rebateu o velho curandeiro – pois a chama precisa se extinguir antes que uma nova possa lampejar. Não posso atender ao seu pedido.

– Então, meu mestre, eu lhe suplico: acenda-me uma nova vela para meus dias quando esta se apagar. Permita-me saborear um pouco mais esta vida que me pertence!

Então, Ezekiah Abhadun, em toda a sua sabedoria e perspicácia, tomou em suas mãos finas e esqueléticas uma nova vela, roliça e viçosa como nenhuma outra por ali se via. No instante fatal, porém, que a vela dos dias de seu aprendiz estava prestes a se esvair por completo, deixou a nova vela cair e rolar no chão, juntamente com o corpo de seu aprendiz, já totalmente desprovido de vida.

– Tolo – murmurou o velho andarilho curandeiro, com a sombra de um sorriso por detrás da alva e veneranda barba – Acreditou até o último minuto que poderia dobrar a mim, as asas da morte, o ceifeiro de almas? Realmente creu que iria contra a minha palavra, e dobraria meu jugo, imposto a você, meu menino, uma segunda ou terceira vez? Seu espírito dobre e fraco deixou-se dobrar diante da altivez do dinheiro, e tornou-se apenas um brinquedo nas mãos de forças mais poderosas que você próprio, triste sonhador de uma realidade impossível! Respondeu à minha dádiva com a desobediência, da mesma forma que respondo sua súplica com o escárnio. Saiba que homem ou mulher, rico ou pobre, enfermo ou são – todos são iguais aos olhos da morte.

E, partindo daquele velho templo abandonado, a morte retomou a sua peregrinação, em busca de outra alma que lhe fosse obediente e servil no difícil trabalho que era a vindima diária do espírito efêmero, que é a vida.

Verdadeiramente, enganoso é o coração dos mortais.

“E não vos esqueçais da beneficência e comunicação, porque, com tais sacrifícios, Deus se agrada” (Hebreus 13:16).

Quem nunca sentiu uma necessidade mórbida de não abandonar o aconchego e segurança do templo de Morfeu – nossas camas? Aquele que nunca pensou ser um dia dormido mais produtivo que um dia vivido, por favor, atire a primeira pedra. Não se preocupem, entretanto: a tendência é mais global (e perigosamente astuta) que se supõe. O espírito de latência legado a nós pelo modus operandi de nosso próprio século influi a tal comportamento por natureza introspectivo e “retropassivo”, tornando-nos verdadeiras máquinas de inutilidade e futilidade mascarada.

Digo isto, pois ainda luto contra um severo ranço de indiferença apática em minhas entranhas morais. Julgava minha existência pela utilidade (ou inutilidade, como há de ser às vezes) aos outros – afinal, não era eu apenas uma ferramenta nas mãos de “algo maior”? Minha existência, tão afeita ao erro e à entropia desta existência, não deveria se esvair à medida que uma vontade soberana, perfeita e todo-poderosa dava um sentido prático à minha existência neste mundo?

“O valor de alguém está na sua identidade e não na sua funcionalidade”, me disseram certa vez. Um baque tremendo, devo dizer, mas necessário. Confesso não ser a melhor das causas viver apenas para cumprir um senso utilitário em meu derredor. Esta mesma pessoa também me disse (em outra ocasião) que minha personalidade um tanto quanto excêntrica – bitolada, a meu ver, teria sido uma definição mais apurada – era um elemento bem-vindo e enriquecedor ao grupo comum do qual fazíamos parte.

Em outra discussão (bons e queridos amigos, que não me ocultam as verdades inconvenientes desta vida), fui sabatinado por menosprezar algumas coisas diminutas e singelas que, no geral, eram um grande sinal de caridade e empatia pelos outros. A forma como um infundado senso de justiça magnânimo e abrasador me impedia de enxergar minha verdadeira eficácia neste plano de existência. O semeador lança as sementes, mas não as pode ver crescer – deve apenas confiar no solo na qual as lança e em suas mãos capazes de perpetrar a árdua tarefa.

E tudo isto para quê?

Apáticos, letargos, catatônicos – enfim, vazios. Lenta e fatalmente temos nos esvaziado enquanto criaturas cheias de anima, aquilo que nos define enquanto indivíduos. Precisamos lutar contra esta morbidez interior, a estática que nos impede de prosseguir a jornada. Como fazê-lo? Simples: empatia; retroatividade; compaixão. Deixar-se banhar em águas alheias. A partir do momento em que somos tomados pela caritas, nossa identidade passa a ter um propósito. Não existimos simplesmente pela utilidade, pelo tornar-se eficaz a algo ou alguém – mas por adquirirmos significado ao outro, e tomar parte na existência alheia (de forma positiva, obviamente).

Ainda luto contra meus fantasmas interiores, que teimam em expandir o Vazio que habita em mim. E, contudo, a cada dia que se passa, descubro em minha pessoalidade incontrolável e mutante um determinado padrão, coerente e provedor de sentido à minha existência evanescente nesta terra.

Prossigamos a jornada pelo sentido de nossa existência – juntos.

Laus Deo!

Desde o Éden, a raça humana é, por excelência, um povo comunitário. Fomos feitos para vivermos em grupos, isto é inegável. Mas não é uma questão apenas de estar ao lado, de viver com alguém, mas sim de conviver – e neste caso a ordem dos fatores altera e muito o produto. Acolhimento é isto: uma questão mais horizontal que vertical.

Tome por exemplo uma sinfonia: quanto maior e mais variada uma sinfonia for, mais acordes e mais variações ela conseguirá produzir. Em uma sinfonia, desde a grande e pesada tuba até o diminuto e leve pífaro são iguais (ainda que totalmente diferentes). Tente imaginar, em uma orquestra, como seria se os instrumentos se achassem mais importantes por seu tamanho, ou por seu som, ou ainda pela quantidade de acordes que eles produzem. Teríamos uma algazarra cacofônica, uma tempestade avassaladora de barulhos os mais irritantes. Não teríamos sincronia na sinfonia.

Da mesma forma que os instrumentos de uma orquestra têm de trabalhar juntos, um com o outro, para compor a melodia regida pelo maestro (e todos devem obedecê-lo, caso contrário…), nós também deveríamos conviver em harmonia. Um instrumento, antes de ouvir a sua própria voz, deve ouvir a dos demais – e também as pessoas, que deveriam estar mais dispostas a ouvir e menos a falar, falar, falar… Todos têm algo a ensinar, o problema é que estamos ocupados demais falando pra poder ouvir. Conviver é sorver a essência alheia – e, não importando qual som iremos descobrir, acolhê-lo. Somos humanos, fato consumado, logo todos nós temos alguma coisa barulhenta em nosso ser – mas todos nós temos também um “harmônico maior” em nossa partitura. Tal como grandes compositores, precisamos nos dispor a ouvir de tudo, para então opinarmos sobre a melodia alheia – e sobre a nossa própria.

Deveríamos ouvir no “outro” o eco de nossa própria melodia (ainda que diferente de alguma forma). Na orquestra, todos estão tocando a mesma música, mas nunca dois instrumentos, sejam eles quais forem, irão produzir o mesmo som. Assim também somos nós, e para completarmo-nos devemos encontrar um pouco de nós mesmos na sinfonia alheia. E, contudo, esta vivência comunitária vem a ser uma questão de apoio, não de cega aceitação. Você não precisa gostar de clarinetas para reconhecer a importância deles na orquestra, mas se você for um flautista e precisar do acompanhamento de qualquer uma delas, ambos precisam buscar apoio um no outro para que a música saia com clareza e suavidade.

Todo bom músico de orquestra sabe que são necessárias altas doses de generosidade, sabedoria e humildade para garantir o sucesso da orquestra. Aceitando-se ao “outro” como fazemos – ou deveríamos fazer – a nós mesmos, percebemos que estas três coisinhas pequenas são também vitais. Sem generosidade, sabedoria e humildade, tornamo-nos altivos e egocêntricos. Nossa natureza não é a de um solista grandiloqüente, mas sim de uma inesgotável orquestra! A vida comunitária dá sentido, propósito – ao outro e a nós mesmos. Pianos, violinos, flautas, tubas, clarinetas, harpas, enfim, todos se acolhem e se completam para perpetrar uma melodia maior e muito mais sublime do que tudo o que qualquer um deles poderia fazer em isolamento. E, tal qual em uma orquestra, o acolhimento mútuo dá um ponto de apoio nos momentos de falta de sincronia entre os músicos e o maestro.

Isto tudo a propósito de uma cena minimamente farsesca a qual presenciei recentemente: em uma destas orquestras estudantis, o maestro lutava bravamente com os instrumentistas, cada qual disputando entre si o título de destaque na companhia. Ah, se nós fôssemos menos como homens, e mais como os acordes! O mundo, por força, haveria de ser menos barulhento e mais melodioso…

Laus Deo

“Pois em Cristo habita corporalmente toda a plenitude da divindade”.

Colossenses 2.9

Lembrei-me da velha e persistente questão que vem a ser minha nêmese filosófica: o Vazio – e as formas que encontramos para preenchê-lo. As pessoas fazem muitas loucuras em busca do tão almejado “prazer”, para (de alguma forma) preencher este elemento insaciável de nossa natureza. Não me refiro aqui à prática hedonista, tampouco à natureza sexual de nossa espécie, mas sim à necessidade do ser humano em sentir prazer, contentamento, satisfação – pura e simplesmente. Não questiono o que se busca neste processo (e aqui surgem opções as mais diversas), mesmo porque nem todo mundo sente prazer com as mesmas coisas. Mas o que eu quero mesmo descobrir é: por que?

Há um interessante conceito filosófico que talvez responda este meu bizarro e difícil questionamento: Pleroma.

Religiosamente falando, a Pleroma representa a plenitude, o estágio final e ideal de todas as coisas, a total e definitiva perfeição. Esse significado advém das teorias platônicas de ideal e material – ou seja, a Pleroma seria a projeção ideal do que o mundo “real” é para nós. Já Carl Jung, homem brilhante e misterioso, em um trabalho seu defende a Pleroma enquanto sendo, paradoxalmente, o Tudo e o Nada. Assim sendo, a teorização da Pleroma torna-se uma busca infrutífera. Logo, tanto a ação quanto a letargia estariam dentro do conceito de Pleroma, já que o Infinito e a Inexistência não possuem qualidades definidas.

Até mesmo o sábio egípcio famoso por seus ensinos sincréticos, Hermes Trimegisto, arrisca uma possível definição: ele afirmava que, através de uma visão dos deuses, percebeu que este mundo nada mais é do que uma visão trêmula e embaçada de um outro, ideal e paradisíaco, e que este mundo havia sido criado das trevas para enganar e iludir ao homem.

A definição que melhor convém, entretanto, é a de Gregory Bateson. Ele adota a definição junguiana de Pleroma, mas estende-a, colocando em choque com outro conceito. Assim, teríamos a Pleroma, o mundo não-vivente, indiferenciado pela subjetividade (espécie de limbo do ego); e a Creatura, o mundo vivente, sujeito às diferenças perceptivas, à distinção, e às informações que o permeiam.

O que isto tem a ver com nossa busca incessante por contentamento? Simples: nós somos Creatura, e vivemos na Pleroma – mas a Pleroma também vive em nós. E esta Pleroma que nos devora as entranhas, verdadeiro Nada, que anseia e busca incessantemente completar-se. Antes éramos Plenos. Agora somos Pleroma, uma contradição sórdida de nossa natureza moral e psicológica.

É só uma questão de tempo até encontrarmos a resposta deste enigma: se éramos Plenos, e agora somos Pleroma, algo se perdeu – e é este algo que devemos recuperar para (re)encontrarmos nosso estado ideal. Mas o que se perdeu? Aí está a chave do mistério: não sabemos (ou eu não sei, ao menos).

Muitas religiões (principalmente as monoteístas, como o Cristianismo), explicam esta decadência através da corrupção do gênero humano pelo pecado. Seríamos seres perfeitos, plena imagem e semelhança do Deus Criador, mas decaímos para nossa atual formação quando, pelo pecado, nos apartamos de nosso Criador e o desobedecemos. A partir daí, a Pleroma começou a nos devorar, e o Vazio passou a co-existir em nossa essência.

Por isso nosso mundo estaria imerso neste aparente Caos. Um Vazio enorme devora-nos diariamente, e por isso nossa existência (tanto interna quanto externamente) estaria submetida à uma transformação fatal e irreversível, levando-nos ao Tártaro.

O que, por sua vez, tornou-nos (principalmente ao homem pós-moderno) um paradoxo ambulante. Muitos pensam viver plenamente, enquanto outros julgam estar mergulhados numa total inexistência (tanto emocional quanto espiritual). Afinal, somos a Plenitude Vazia ou um Vazio Pleno? Estamos realmente completos com aquilo que buscamos, ou fugimos desesperadamente do “pedaço” que nos falta?

A discussão é ampla e polêmica, e está longe de acabar. Mas, por enquanto, gostaria de ressaltar o seguinte: somos incompletos e defeituosos, de uma forma ou de outra, e nada poderá mudar isto. Teorias sócio-filosóficas que afirmam o contrário são uma afronta à nossa percepção lógica. E precisamos encontrar aquilo que há de nos completar, mesmo que muitos de nós não saibam o que poderia ser isto, ou não sintam os efeitos desejados – eu, inclusive, me encaixo na última categoria.

Devemos completar-nos e devemos fazer isto já, antes que nossa efêmera existência deixe este mundo para trás, e tudo o que nos reste seja um mergulho desesperado no grande e terrível Abismo, única opção para os anexistentes (pois eles existem, mas não completamente). Nossa busca deve ser pelo elemento fundamental que irá comprimir nosso Vácuo interno e, tal qual um Big Bang, nos (re)criarmos plena e definitivamente.

Uma arriscada caça ao tesouro sem o mapa, onde só saberemos o que encontrarmos quando descobrirmos, de fato, o que nós realmente desejamos encontrar – e aqui é o ponto de perdição para muitas pessoas (tanto psicológica quanto espiritualmente).

Só há uma solução a tomar: encarar o negrume de nosso ser incompleto e adivinhar-lhe o que tanto almeja para sentir-se completo de novo. E assim começa a maior busca de nossas vidas: a busca por nós mesmos, e por nossa restauradora redenção ao estado ideal. Alea jacta est, meus caros. Chegamos finalmente ao derradeiro Rubicão de nossa existência patética neste mundo – devemos agora é encontrar meios de atravessá-lo ilesos. E assim, nossa jornada pela Plenitude começa: com uma Dúvida, e muitos Vazios.

Laus Deo!

Lamento imensamente um tão prolongado desaparecimento – e lamento ainda mais não desfaze-lo com um texto “novo”, mas sim mui bem espanado e perfumado, pois muitos assim se (re)apresentam. Talvez em breve, se meus degostos criativos abandonarem sua tão delongada empreitada, eu finalmente lhes apresente novo material. Enquanto isso, vamos aos fatos…

Na maioria das vezes, as metáforas mais esquisitas são as mais verdadeiras. Obviamente, não procuro escusar (ou até mesmo justificar) o que vou escrever. Não, caro leitor, não pretendo isso: só tomei a frase como um bom prólogo para esta pequena crônica da vida humanitária.

Em se falando de metáforas, aqui vai a minha, pequena semente que planto nos corações dos meus (prováveis) leitores: o mundo, meus caros, é uma grande e suntuosa cozinha.

Não há motivo para alarde, explico-me: todas as estruturas, recôncavos e membros da sociedade moderna (como nós a conhecemos) têm um papel análogo a certos componentes básicos em uma cozinha. Existem aqueles que são panelas, talvez não tão atrativos à primeira vista, nem tão bem tratados, mas vitais para o processo de amadurecimento e preparação do alimento. Acredite-me, o leitor, que este gênero de indivíduo não seja tão importante assim: tente comer um belo pernil cru, ou uma boa porção de arroz, sem que este tenha passado pelo milagre da fervura em água, e você entenderá o que digo: panelas também as são em importância.

Existem também aqueles pertencentes ao gênero de limpeza: palhas de aço, detergentes, uma boa barra de sabão (aquele feito com gordura e outros componentes menos célebres, todos depois de muito tempo de diálogo em uma panela fervente)… Um gênero tanto subestimado quanto necessário: ninguém gosta de limpar a sujeira dos outros (e uso aqui o sentido literal de “sujeira”), mas é um trabalho necessário e alguém tem de fazê-lo.

Poderia demorar-me muito mais em outros gêneros, mas deixo este trabalho saboroso para algum outro irmão de penas (ainda que esteja digitando este texto, mas… enfim). O gênero que pretendo retratar aqui é aquele que, usualmente, só vê a luz do dia durante a salada, e algumas vezes durante os preparativos das refeições: temperos.

Creio que não é necessário demorar-me na importância deste conjunto diminuto em estatura e gigantesco em importância; tente imaginar sua vida, toda a sua arrastada existência, leitor, sem uma pitadinha de sal. Não, não estou fazendo graça dos hipertensos: tenho é muita pena deles, pois uma das maiores dádivas lhes foi conseqüentemente negada (que me perdoem os médicos, mas isto é verdade).

Há, lembremos, há uma subdivisão no reino dos temperos, que deve ser explicada: os temperos vitais e as salsinhas. Tomem por “salsinha” a classificação de mestre Veríssimo, de que isto seria todo e qualquer componente presente na comida com efeito puramente ilustrativo (ainda que, para o bom degustador, até mesmo a salsinha tenha alguma utilidade que não estética): desde a literal salsinha presente em alguns pratos frios, até aquele brotinho de canela coroando os doces de festa. Influem no gosto, evidente que sim; se são vitais ou não, deixo ao encargo do leitor responder.

Mas, enfim, até mesmo as salsinhas têm sua utilidade: apesar de não serem temperos consideravelmente marcantes, são uma espécie de “merchandising” para os alimentos nos quais se encontram. Uma função não menos nobre que invejável, já que são elas quem irão garantir uma boa propaganda do produto anunciado. Contudo, não é este o grupo que mais me agrada, e tampouco terá ele aqui futuras dissertações. Deixo as salsinhas para seus mais devotos defensores…

Os temperos vitais, como o próprio já se nos informa, são de uma natureza inebriante: dão um toque extra ao sabor, uma coloração mais viva e divertida, às vezes até mesmo toda uma “aura” característica ao prato… Enfim, enriquecem a própria alma do alimento. E, “ouvistes o que foi dito”, nós devemos ser o sal da terra. Obviamente, ignoro qualquer sentido literalmente agrário que a citação possa ter – pois que o tenha, isto é fato.

Saindo do campo metafórico e passando ao ideal platônico (ou em termos mais amenos, trocando em miúdos este delongado prozear): nosso papel, querido leitor, não é somente ficarmos guardados num frasquinho de vidro temperando as saladas e porções de comida servidas vez ou outra. Se pudesse, faria uma adição às palavras messiânicas, mesmo que o termo por ele usado fosse simples o bastante para ser entendido à sua própria época: sejamos o sal, a pimenta-do-reino, a mostarda (a boa e velha mostarda, amiga de outras parábolas), a noz-moscada, enfim, sejamos o tempero desta terra tão sem sal e incolor que faz o obséquio de nos sustentar (mecanicamente falando: nunca subestimei a gravidade, quer ela exista ou não).

Devemos nos valer de nossas propriedades “temperísticas” e dar um pouco mais de sabor a este mundo insosso no qual deitamos os pés todo fatídico dia de nossas fatídicas existências. Outra grande lição que podemos ministrar, tangente a esta, seria: paciência, meu oportuno leitor, paciência. Afinal, quem já ouviu falar de um grande cozinheiro que temperasse seus pratos visando algum recorde culinário minimamente pitoresco? O bom tempero leva tempo e concentração para fazer efeito: por isso mesmo é que você, pequena páprica, deve ter paciência. Os frutos de seu labor só serão percebidos durante o processo de degustação. E contudo, devemos ter redobrado cuidado: nossa missão pode acabar sendo uma verdadeira espada de dois gumes, como tudo o mais em nossa existência

Não é à toa que inventaram o adjetivo “temperança” (e naturalmente, com ele seu análogo, “intemperança”): equilibrar, colocar sobre limites. Afinal, em ausência, nosso trabalho é praticamente inútil (os hipertensos que o digam). Mas em excesso… Bom, basta imaginar o que seria aquela feijoada feita por uma cozinheira que pesou a mão na hora de salgar os componentes porcinos, ou então aquela avó ditosa que, por puro descuido, usa um pouco mais de pimenta do que o necessário em suas criações culinárias. Nós devemos ser temperados, se quisermos também temperar. Pode parecer fácil, mas tente ser “somente o necessário” num mundo materialista e tresloucadamente individualista como o nosso, e você vai ver que as coisas não são tão doces como você queria…

Falta-me espaço e sobram-me idéias, por isso hei de dar cabo desta pequena cria de meus miolos sem mais delongas: sejam o tempero da terra, meus amigos. Sejam moderados e equilibrados, mas tenham certeza de que essa humilde participação em nossa sociedade realmente faça a diferença. Dêem mais cor, dêem mais sabor, dêem um cheiro melhor nas pessoas cruas e sem tempero deste mundo (esta é também uma deixa para as pessoas-panelas, das quais falei anteriormente). Lembrem-se de que, por mais que seus esforços possam parecer inúteis a vocês próprios, sua utilidade não é para vocês mesmos, mas sim para os outros. E de que, se tudo o mais parecer inútil, nós estamos sendo usados por um grande, sábio e todo-poderoso cozinheiro, que sabe muito bem o que faz (afinal, não se pode ensinar um chef de renome como fazer uma omelete).

Confiem nestas mãos ditosas e experientes que nos usam, leitor, e tenha fé em sua própria capacidade: afinal, os temperos não são somente para enfeitar a mesa das saladas. Sejamos temperados e temperamo-nos uns aos outros, para que nosso eterno junta-panelas de domingo (que é a vida em sociedade) seja mais do que uma gororoba qualquer. Sejamos diferentes, e façamos a diferença. Pápricas de todo mundo, uni-vos!

Laus Deo!

Primeira Epístola do Andarilho Astral

Estelário, trajetória orbital do corrente Vácuo.

Minhas caras irmãs astrais,

Escrevo-lhes suplicante e temerosa do efeito póstumo a esta carta aterradora e tremeluzente – reflexo do brilhar de quem a produz.

Fato é que estou amando.

Difícil coisa esta de amores! Tão estranho e maravilhoso, o fenômeno de dois astros envolverem-se numa circunvolução mútua… Nem sempre mútua, admito. Mas creio que, se não mútua, ainda não pode chamar-se Amor, com toda a autoridade e força que esta palavra carrega em si.

É sublime e degradante (confuso e antagônico o discurso enamorado!). Doce tristeza, em termos mais brandos e corriqueiros. Não digo a mera atração de pólos (repelentes ou atraentes) entre dois corpos astrais, mas ao reconhecimento de um corpo estelar em outro.

Grandioso o momento em que encontramos a nós mesmos nalgum brilho alheio!

Creio que fui vitimado por este “mevitevendo”. O belo astro por cujo núcleo me enamorei (e me encontrei) – desastre e desterro meu! –  já circundava outro astro! Órbita longa e firme, de uma estabilidade marcante e uma instabilidade totalmente subjetiva (como todas o são).

Triste coisa é estar amando – e ter a consciência de que este desejo por atrair a órbita alheia resulta em repulsão. Sim, irmãs de meu brilhar, repulsão – pois o amor, em sua verdadeira forma, liberta os vetores gravitacionais, não os intensifica. E, decorrente desta certeza, a triste possibilidade de que a órbita ideal, eventualmente (freqüentemente, quase certamente), não será a que poderemos oferecer.

É preciso deixar que os astros cativos de nosso bem-querer tenham o livre arbítrio que lhes foi dado por direito legitimado. Quanto mais firme a consciência desta liberdade atordoante que devemos dispor, melhor (ou menos sofrido) o futuro será.

Mas, e se tal amor for entrecortado pela dúvida? Difícil estado!

A dúvida, verdadeiro buraco-negro a drenar toda a luz de nossas emanações, corrói-nos e deixa-nos na mais profunda alienação e torpor. Mesmo que um astro alheio esteja disposto a receber nosso corpo celeste em sua órbita, a dúvida enverga e redobra um caminho que, outrora plano e curto, tornou-se impossível desfiladeiro.

O que fazer quando os demônios que tanto tememos e lutamos estão dentro de nossos próprios núcleos gravitacionais?

Dizem que não há amor que tolere a dúvida, que ambos não coexistem. Se isto for verdade, ai de mim – vivo a doce ilusão do falso amar! Mas não creio nestes sábios e em suas charlatanices oportunas. Eu duvido, e amo! “Dubito ergo sum”, é esta a filosofia de meus devaneios.

Quero tanto bem a este astro que alumiou meus caminhos, que às vezes faço-lhe tremendo mal. Estranho e cruel o aguilhão de nosso bem-querer! Talvez isso seja conseqüência da eterna dúvida que floresce em meus olhos. Amo tanto, e desejo tão intensamente a felicidade plena de meu “eu” alheio e alienígena (posto que habita outro corpo), que eu próprio não confio em minhas capacidades de nutrir este estado nirvânico de existência – para o “eu” alheio, e tampouco a mim mesmo.

Quem ama convive com demônios avizinhados, e sabe conviver com seus próprios. E reconhece a incapacidade do amor de transformar a vida em paraíso terreal. Duro e pesado este estatuto, mas verdadeiro (quer gostem, quer não). Acreditem os sensatos.

Em minha própria sanha e instabilidade, muitas vezes prejudico a órbita alheia. Sábio aquele que sabe se conter nos momentos certos! Passei tanto tempo em silêncio solitário e contemplativo, que me comporto como verdadeira supernova (terrível e abrasadora) quando perto de outros astros. Subestimo minha própria quietude diante da cacofonia alheia.

Muitos amores, inúmeras dúvidas! E muitos silêncios inquietos – assim me comporto em meu amar.

Que o Grande Astro, que a todas nós gerou à sua densidade e brilho, tenha piedade de mim e me presenteie com um pouco mais de juízo e domínio próprio. Mas ultimamente seu brilho tem estado tão distante (tão frio), que já nem sei mais se sou realmente merecedor de seus favores…

Triste o coração pródigo, que anseia o lar abandonado e julga-se indigno do seio que outrora lhe acolheu!

Vocês, irmãs, podem pensar ser impossível amar com tanta interferência e instabilidade orbital. Impossível, não. Improvável – deveras improvável, e infinitamente custoso!

Fato é que eu amo. E em meu amar, desejo apenas a alegria alheia. Seja eu fornecedor dela, seja outro.

Tortura sublime entregar ao Grande Astro o orbitar do astro desejado!

Irmãs, não tenho solução para o enigma do amar sincero e poderoso. Nisto me equiparo a muitos outros, que vieram, vêm e haverão de vir. Caso alguma de vocês tenha algum lume a lançar neste mistério, não o revele! Muitos aproveitam de muito menos para proveito próprio, e por que vocês fariam diferente? Afinal, o mistério só possui força enquanto mistério – ao ser solucionado torna-se fastidiosa constatação.

Delongo minha carta, e o assunto está longe de acabar. Fecho-a neste vago aberto que deixo para trás, e que outras estrelas (mais sensatas e menos errantes que eu) possam dar trato ao percurso que principiei – e espero, algum dia, findar. Mas termino com uma súplica, um conselho e um alerta, todos numa só sentença:

Oh astro de meus horizontes, perdoe aquele que te que ama sem saber amar!

Laus Deo!

Carta aos Pedrinos

Há algo que muito me preocupa no episódio do Monte da Transfiguração (Mateus 17:1-13; Marcos 9:2-13; Lucas 9:28-36): Pedro. Jesus transfigura-se e encontra com Moisés e Elias, e com eles conversa. O próprio Deus surge e confirma a natureza divinal de seu Filho perante os três discípulos que ali estavam com o Messias. Mas Pedro, tomado de um ânimo e um temor tais, indagou ao Cristo se ele poderia erguer no cume do monte barracas para as três entidades ali presentes. Resumindo: Pedro achava aquilo bom demais pra acabar.

Muitas vezes nós somos como Pedro (neste episódio) em nossos relacionamentos: estamos maravilhados e encantados com aquilo que nos cerca, e resolvemos ficar por ali mesmo – ao lado de nossos amigos conhecidos, nossos companheiros “velhos de guerra”. Podemos até nos deixarmos seduzir pela solidão no cume do monte, maravilhados com a aparente paz que ali reina. Pura cegueira espiritual…

É importante lembrar que lá embaixo, descendo o monte, Jesus e os discípulos haviam de continuar seu ministério. Aliás, a primeira coisa que eles fizeram ao descer do monte foi presenciar a cura espiritual de um menino, por intermédio de Jesus. O que teria acontecido se eles continuassem no monte?

Gostaria, portanto, de tornar público um alerta e um pedido: não nos deixemos iludir pelas “maravilhas” sociais ao nosso redor. Devemos descer do nosso monte – e cada um deve ter sabedoria e discernimento o bastante para encontrar o nosso próprio. Devemos nos arriscar no mundo estranho, e muitas vezes ofensivo, que está lá embaixo. Pois é lá que estão as pessoas que realmente precisam de nós.

Mas quem disse que descer do monte é um processo fácil…?

Peço aos prezados leitores coragem, paciência e – acima de tudo – fé. Este texto talvez não tenha sido pra você. Talvez tenha. Eu só peço isso: que sigamos o exemplo de Jesus Cristo, e que procuremos atender aos necessitados e oprimidos (seja de qual natureza for). Afinal, são os doentes que precisam do médico, não?

Laus Deo!

Os nossos castelos de egocentrismo

Creio que todos vocês conhecem algum conto de fadas – Cinderela, Rapunzel, Branca de Neve, qualquer que seja. Uma coisa que me impressiona nestes contos (não em todos, mas na maioria) é o distanciamento da personagem principal em relação ao restante da história. Não importa qual a situação, por mais caótica e desesperadora que seja, estas princesas sempre matêm a calma e o sangue-frio… Nunca perdem o famoso “jogo de cintura”. Já notaram?

Nenhuma dessas personagens se importa com o que acontece ao redor. Posso parecer um tanto amargo ao dizer coisas assim, mas uma análise apurada destas histórias provará que tenho – ao menos um pouco – de razão. Temos algumas (raras, é claro) histórias que fogem deliciosamente ao paradigma, caso de um conto que me é tão querido: “A Bela e a Fera”. No geral, entretanto, são sempre as mesmas: distantes, frias e indiferentes, sem se importar com o mundo em redor. Preocupadas somente com o tão almejado “final feliz” que estão para alcançar muito em breve. Trancadas em suas torres de ametista sem dar a mínima para o que acontece aqui embaixo…

Já notaram como, às vezes (eufemismo de minha parte) nos trancamos na torre de nossa existência e esperamos, languidamente, que algum príncipe encantado atravesse nossas muralhas, derrube nossos dragões e resgate-nos de nossa existência definhante e patética?

Tenho uma teoria. Louca, talvez, e cheia de falhas – mas uma teoria promissora e “encorpada”: nós, talqualmente estas princesas imemoriais, mais do que qualquer coisa, queremos ser salvos – mas nos isolamos de tudo, inclusive daquilo que porventura possa nos salvar. Buscamos o total afastamento do mundo que nos cerca, e colocamo-nos em xeque para que um jogador mais sensato por ventura venha e salve nosso jogo. Por que esta teimosia?

Talvez queremos nos protejer (afinal, é para isso que servem os castelos). Fugir da realidade que nos cerca – da nossa própria realidade – e abraçar uma outra, este é um hábito relativamente comum ao ser humano ( e tão freqüente…). Nos trancamos para fugir, e fugimos para sermos salvos. Mas… Salvos de quê?

Sim, salvos de nós mesmos. Ao menos, é o que penso… Estamos em constante procura de alguma coisa, um lugar, o que quer que seja, que nos resgate de nós mesmos e nos redima. Fugimos e nos escondemos somente para descobrimos que somos a nossa própria ruína.

Vocês já ouviram “Somewhere I Belong”, do grupo de rock Linkin Park? Caso não tenham, por favor escutem – não somente esta faixa, mas 97.6% de toda a produção musical do grupo. Mas esta música, especificamente, fala a respeito de um lugar ao qual possamos pertencer, onde o vazio seja preenchido e no qual nós possamos encontrar nossa própria plenitude.

Os contos de fadas são famosos por seu sucesso. Mas nossa realidade – o que devemos fazer em nossas vidas – não é esperarmos enfadados de nossa própria existência por uma providencial e inesperada salvação. Devemos acordar de nosso sono, subjugar nossos próprios dragões, galgar as muralhas de nosso castelo e ganhar o mundo lá fora.

Não podemos contar com a intervenção súbita de um “cavaleiro galante” que nos venha resgatar de nosso retiro marmóreo. Nossa busca é que deve mover nossas pernas – ainda que a única caminhada a se fazer seja rumo à nós mesmos…

E então, somente assim, libertos das prisões que construímos ao redor de nós mesmos, transpostas as grandiosas muralhas de nosso ego tresloucado, é que obteremos a tão almejada liberdade – literal ou não. Afinal, compreender os calabouços de nosso ser tira-lhes a capacidade mesmérica.

E finalmente nossas asas principiam a galgar o firmamento…

Laus Deo!